“Nesta satisfeito ocasião da Páscoa, ao celebrarmos o espírito da ressurreição, vamos abraçar a venustidade de novos começos e a promessa de dias melhores pela frente”. A mensagem de Abebe, historiador que conheci em Lalibela, na Etiópia, traz palavras comumente repetidas nestes dias, mas que me emocionam principalmente.
Em dezembro de 2022, quando conheci Abebe –de quem é prudente omitir o sobrenome–, fazia um ano que o Exército da Etiópia havia retomado o controle da cidade, patrimônio mundial da Unesco, depois de rebeldes da região do Tigré terem ocupado a região por seis meses.
Havia somente um hotel acessível em Lalibela, que vive do turismo religioso desde a Idade Média, quando, no século 12, o rei Gebre Meskel Lalibela determinou que igrejas monumentais fossem esculpidas em montanhas rochosas, construindo uma Novidade Jerusalém, já que a viagem cristã à Terreno Santa era um risco com a conquista muçulmana em 1187.
Das 11 igrejas, a mais conhecida, Biete Giyorgis, de São Jorge, tem profundidade equivalente a de uma catedral de três andares. Mas em vez de pedra sobre pedra, a igreja foi esculpida —por homens de dia e anjos de noite—, repetem na região, em uma única rocha.
Do topo da igreja em formato de cruz, o jogo de luz e sombra nos diferentes momentos do dia, a vista das montanhas e o silêncio dos peregrinos vestidos de branco, com um tecido de algodão típico envolvendo corpos e cabeças, emocionam. A virilidade do lugar me lembrava a tranquilidade budista que contrastava com a trevas de dentro das igrejas e com os kebero, tambores tocados durante as celebrações.
Para entrar no templo, tiram-se os sapatos, uma vez que faço para entrar nos barracões do candomblé; cobre-se a cabeça, uma vez que fiz em mesquitas; fui abençoada por um padre com uma cruz nas mãos, em formato dissemelhante da que eu conhecia.
Nos dias que passei ali, éramos somente eu, com a companhia generosa e culta de Abebe; um parelha de uma mulher etíope com seu marido americano; e um grupo barulhento de jovens espanhóis. Naquela cidade toda, que recebia 50 milénio turistas estrangeiros por ano antes da pandemia, éramos os únicos turistas, hospedados no único hotel em funcionamento.
Pela primeira vez na história, de março a setembro de 2020, as igrejas foram fechadas para evitar contaminações por Covid-19. Na reabertura, a guerra social do setentrião do país, de novembro de 2020 a novembro de 2022, afastou os turistas de vez.
No moca da manhã, uma espanhola de 20 e poucos anos perguntou se eu não tinha terror de viajar sozinha pela região instável. Eu expliquei que tinha ido ao Quênia a trabalho e aproveitava a oportunidade para saber um pouco do único país africano nunca colonizado pela Europa.
“E vocês?”, perguntei, tentando esconder meus preconceitos. “Nós somos médicos, estamos trabalhando no atendimento das vítimas da guerra, no setentrião. Tiramos uma folga e viemos saber Lalibela. Até dias detrás, estávamos no meio da guerra, na verdade.” Que vergonha, Bianca.
À intervalo, tenho escoltado por Abebe o fechamento de escolas, a rafa se aumentar e a preocupação com novos conflitos, uma vez que uma verosímil guerra contra a Eritreia, que tem tomado o noticiário sítio.
“Que seus encontros sejam repletos de risos, sua mesa de deliciosa comida e seu coração de paixão. Que você encontre silêncio em cada momento e alegria em cada bênção”, desejou-me Abebe nesta Páscoa.
As palavras de Abebe chegaram com o sabor do Tej, vinho de mel, que carrega a renome de ter sido a bebida preferida da rainha de Sabá, e do injera —pão azedo etíope que serve de prato para carnes e vegetais, compartilhados sem o uso de talheres.
Que renasça a silêncio no país africano de maioria cristã desde o século 4, não por imposição colonial europeia, mas pelos vínculos comunitários e coletivistas em que viviam os primeiros cristãos.
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