Francisco soube ser conservador sem perder a ternura – 22/04/2025 – Cotidiano

Mundo


A Igreja Católica Romana avançou alguns centímetros em seu conservadorismo na direção de maior guarida daqueles que estão fora do rebanho. Os méritos são do papa Francisco. Não é pouco, quando olhamos para o tsunami reacionário que tem varrido o mundo.

É emblemático que o último político graúdo a ter um encontro com Francisco tenha sido J.D. Vance, o vice-presidente dos Estados Unidos. Ele representa o tipo de catolicismo que Francisco gostaria que tivesse ficado no pretérito, mas que segue vivo e ativo no planeta terreno.

Francisco soube ser conservador, porém, sem perder a ternura. Sob seu pontificado não foram feitas reformas doutrinárias significativas, aliás, como assinalou o professor Rodrigo Toniol, nesta Folha. As mulheres seguem sem ordenamento, os padres permanecem celibatários, o aborto continua sendo sentenciado e por aí vai.

Uma vez que explicar a simpatia conquistada por Francisco junto aos setores progressistas mais arredios ao catolicismo romano?

O papa mostrou que o conservadorismo religioso pode andejar de mãos dadas com a misericórdia. Francisco ensinou que não é preciso mudar as estruturas ou a fundamento da Igreja, é preciso mudar de atitude diante daqueles que estão fora da comunidade eclesiástica.

Muitos religiosos, inclusive pastores evangélicos, acreditam que para ser conservador é preciso adotar uma linguagem agressiva em relação às mulheres, aos gays e, até, em relação aos imigrantes.

O que seria somente conservadorismo religioso, quando embrulhado ideologicamente com as táticas da guerra cultural, se transforma num projeto reacionário violento.

Arrisco declarar que o maior legado de Francisco será ter mostrado aos crentes do mundo inteiro que Jesus Cristo não precisa ser defendido, mas deve ser imitado.

Uma religião de soldados de Deus elege inimigos que precisam ser destruídos; uma igreja de discípulos procura fazer o que o rabi ensinou: “amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mateus 5:44).

No pontificado de Pio 9º a Igreja Católica tentou negar a modernidade e, até Bento 16, cada prelado de Roma lidou com o dilema de negar ou se adequar aos novos tempos. Francisco fez dissemelhante: ele foi conservador e contemporâneo das questões do seu próprio tempo.

A solução adotada por Francisco para receber na Igreja Católica os casais do mesmo sexo é um bom exemplo de uma vez que ele fugiu da lógica binária de concordar ou rejeitar a modernidade. Igrejas conservadoras continuam negando a existência dos casais homoafetivos e igrejas afirmativas e inclusivas mudam sua concepção a reverência de tálamo —definido na Bíblia uma vez que compromisso entre um varão e uma mulher— para albergar casais gays.

Ao permitir que padres concedam uma bênção para casais homoafetivos que a busquem junto à igreja, o papa fugiu da lógica binária —concordar ou rejeitar a mudança comportamental moderna. Ele não pode ser encaixado nos modelos de “contra” ou ” em prol”. É uma vez que se estivesse dizendo: os relacionamentos humanos e os compromissos afetivos não precisam seguir sempre o mesmo padrão para que sejam dignos da bênção.

Intuitivamente, Jorge Bergoglio percebeu que a sociedade contemporânea é mais receptiva à espiritualidade do que à religião. O sucesso de sua passagem por Roma está na sua capacidade de falar ao coração das pessoas com suas palavras e gestos.

Católicos e evangélicos reacionários acharão que ele não foi suficientemente conservador, de minha secção, concordo com Leandro Karnal: foi um papa cristão.

A reza ecumênica, ao final da encíclica “Fratelli Tutti”, resume o que foi o cristianismo que Francisco viveu e pregou: “Dai-nos o paixão que transparecia nos gestos de Jesus, na sua família de Nazaré e na primeira comunidade cristã. Concedei-nos, a nós cristãos, que vivamos o Evangelho e reconheçamos Cristo em cada ser humano, para O vermos crucificado nas angústias dos abandonados e dos esquecidos deste mundo e ressuscitado em cada irmão que se levanta”.



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