Não, Trump e Putin não são apenas uma gripezinha – 15/04/2025 – Rui Tavares

Mundo


Quando a pandemia de Covid-19 chegou, no início de 2020, tivemos poucos dias para que os nossos cérebros se adaptassem à sua natureza exponencial. Era difícil entender que um ou dois infetados num dia se transformasse rapidamente em centenas, milhares, milhões.

Mais difícil ainda permitir que isso teria de levar a alterações brutais em nossos cotidianos, economias, sociedades. Mesmo quando a graduação avassaladora do problema já estava em cima de nós, era fácil tombar na tentação de que afinal estávamos perante uma gripezinha. Somos animais de hábitos, e uma gripezinha a gente sabia o que era.

Estamos num momento análogo na política internacional. A invasão em larga graduação da Ucrânia pela Rússia de Vladimir Putin, em fevereiro de 2022, e a chegada ao poder de Donald Trump para um segundo procuração, em janeiro de 2025, são eventos que transcendem a normal graduação das mudanças de ciclos políticos.

Em vez disso, eles inauguram uma novidade era histórica e ameaçam desfazer o sistema internacional construído depois a Segunda Guerra Mundial —tudo aquilo a que chegam as nossas memórias pessoais. O que estamos prestes a viver nenhum de nós conheceu antes; no supremo podemos procurar termos de comparação nos livros de história.

Mas é mais fácil ler sobre história nos livros do que compreendê-la quando ela muda à nossa frente. Por isso há quem procure minimizar a graduação da mudança, justificar Putin, desdenhar de Trump. Mas a obrigação de qualquer intelectual minimamente realista é proferir em primeiro lugar o óbvio, e o óbvio cá é: não, Putin e Trump não são uma gripezinha.

Isso é particularmente evidente cá na Europa, confrontados que estamos com uma Rússia agressiva que não reconhece as fronteiras dos países seus vizinhos a leste, e agora com um Trump na Moradia Branca que fala obsessivamente sobre anexar território dinamarquês no Atlântico Norte.

Não passará despercebido a qualquer português uma vez que eu que, tal uma vez que a Dinamarca tem no Atlântico Setentrião a Groenlândia, também Portugal tem os Açores, em ambos os casos com bases militares americanas já instaladas. Mas é tão difícil concordar que essa possa ser agora a nossa verdade que a tentação é simplesmente fingir que a ameaço não existe.

Para ser levada a sério, a Europa tem de ser capaz de se unir e, para lá da União Europeia, ser capaz de erigir uma Comunidade Europeia de Resguardo que inclua o Reino Unido e a Noruega, pelo menos. Se os EUA saírem da Otan, tomar conta dessa organização com o Canadá. A escolha é clara: ocupar autonomia estratégica ou viver sob as ameaças e o assédio dos autoritários.

Globalmente, o duelo maior é o das tarifas punitivas de Trump. Mais do que cada país fazer as contas às tarifas que lhe cabem em sorte, é necessário entender que é o próprio princípio do transacção internacional que está em jogo. Mais uma vez, os países que entendem e respeitam as suas regras devem ser capazes de tomar conta do sistema sem os EUA, fazendo da firmeza das tarifas um muito público global.

É uma tarefa gigantesca, para levar a cabo em pouco tempo. Mas para que serve a história, senão para estarmos à profundeza dela?


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