[RESUMO] O ultraliberal Javier Milei chegou ao poder na Argentina com o espeque da direita tradicional de seu país, com quem mantém hoje, um ano e quatro meses depois, uma relação utilitária, necessária para proceder seus projetos no Congresso, mas permeada de insatisfações mútuas que por vezes sugerem rompimento. A poucos meses das eleições legislativas, a {sigla} Liberdade Avança, de Milei, tem incorporado nomes importantes do partido de centro-direita Proposta Republicana, liderado pelo ex-presidente Mauricio Macri, o que pode dar modo inédita à política argentina e espelha uma crise mundial das representações partidárias tradicionais.
Diego Valenzuela incorpora o traquejo social de quem teve uma curso na TV uma vez que jornalista e historiador, o traquejo político de quem é o segundo prefeito mais muito estimado da Grande Buenos Aires, e o ânimo de quem ocupa o lado político hoje vitorioso.
Aos 54 anos, o prefeito de Tres de Febrero, cidade com 360 milénio habitantes, foi aquele que primeiro personificou um movimento em curso na Argentina. Abandonou o partido de centro-direita ao qual pertencia, o Proposta Republicana, e migrou para a ultradireita aglutinada no Liberdade Avança, a sigla do presidente Javier Milei.
O fez em janeiro pretérito com um evidente propósito eleitoral, ainda que diga nesta conversa que sua decisão teve uma amplitude muito maior. Ele não esconde que seu objetivo é, em 2027, concorrer a governador da Província de Buenos Aires, hoje nas mãos da oposição.
Seu pregão foi seguido por igual movimento de outro prefeito da região, e nas semanas seguintes legisladores da capital também deram adeus a suas siglas de centro-direita e caminharam para o ponto mais extremo do espectro político.
“Conheço Javier faz mais de 30 anos, portanto não é uma vez que se essa decisão tivesse sido aventada agora, simplesmente por razões políticas”, afirma Valenzuela, sentado na mesa de seu escritório na sede da prefeitura.
Ele e Javier Milei estudaram economia juntos na universidade. Mantiveram contato, reforçado quando Milei ascendeu surpreendentemente na política uma vez que um outsider. Desde que o colega chegou à Morada Rosada, eles conversavam semanalmente por mensagens.
“Ele me ajudava com as matérias de exatas, e eu o ajudava com as matérias mais humanísticas, nos complementávamos muito”, diz sobre o tempo de estudantes. A reportagem sugere, não em folgança, que um espeque em termos humanísticos ao hoje presidente ainda cairia muito —Milei é contra o que chama de ideologia de gênero, ameaça tirar o feminicídio do Código Penal, diz querer sair do Acordo do Clima de Paris.
“Bom, também por isso tomei essa decisão, porque creio que minhas experiências são diferentes das dele”, ele responde, não sem somar elogios. “Estou na política já faz muito tempo, mas atenção: Milei demonstrou atitudes de liderança. Eu esperava muito mais uma vitória na reforma econômica, mas também vejo um presidente que tem legitimidade e prioridades na tomada de decisões.”
A centro-direita e a ultradireita competência ao poder com Milei vivem desde o início do governo uma federação de sobrevivência mútua. Sem maioria no Congresso, o governo sedimentado em um partido novato precisa de alianças ocasionais com o Proposta Republicana para proceder. O núcleo, por sua vez, quer se manter no poder.
A balança, todavia, tem começado a permanecer desequilibrada. Em ano eleitoral —em outubro se realizam eleições legislativas de meio de procuração que renovam um terço de todo o Congresso—, não parece ter disposição do Liberdade Avança de negociar e formar coalizões com a centro-direita. O entrave, diz-se nos bastidores, é Karina Milei.
A mana do presidente é também a secretária-geral da Presidência e o cérebro do governo, ou a espinha dorsal, a depender dos que dizem que operar a máquina pública é sua principal função e daqueles que argumentam que, na verdade, sua tarefa é proteger Milei.
Com ela, a estratégia de tomar a centro-direita se tornou a aposta principal e ganhou apoios importantes e improváveis, o principal deles Patricia Bullrich, ministra do governo (Segurança), filiada ao Proposta Republicana e candidata à Presidência por esse partido em 2023. Ainda que no papel siga na centro-direita, ela tem ajudado a levar políticos para o Liberdade Avança e periga ser expulsa de seu partido, tal qual nome principal é o ex-presidente Mauricio Macri.
A insatisfação já transbordou. “Até agora o ato de trabalhar junto com o governo nunca existiu, foi somente um resgate contínuo para que eles não caiam no eversão e o projeto político não vá para o inferno”, disse Macri na última semana de março em um evento em Córdoba.
Há histórias quase anedóticas da radicalização política. Santiago Caputo, assessor de Milei com amplos poderes na Morada Rosada mesmo sem ter sido eleito e mesmo sem ter sido nomeado para um missão público, tem em seu escritório uma edição do livro “El Arte de Subir (y bajar) la Montaña” (a arte de subir e descer da serra), de Marcos Peña, apunhalado com uma faca, contam duas pessoas que já frequentaram o espaço.
Peña era chefe de gabinete de Macri. E no agora depreciado livro faz uma resguardo de que lideranças políticas não tentem se forjar uma vez que espécies de super-heróis e que o comando do governo não deve ser tão verticalizado. Milei mais de uma vez se comparou a um Superman.
O declínio dos partidos de centro-direita não é uma excepcionalidade argentina, mas no país tem suas particularidades. “É um sistema no qual os políticos não têm apego aos partidos, e, no caso do Proposta Republicana, é um partido com pouca história [nasceu em 2005] e que também uniu pessoas de várias outras siglas. Agora as está perdendo”, diz Carlos Gervasoni, gerente do departamento de ciência política e estudos internacionais da respeitada Universidad Torcuato Di Tella.
O fenômeno é divulgado uma vez que “panquequismo” (de panquecas): políticos que um dia estão cá; no outro, além. Não é preciso ir longe para exemplificar. Daniel Scioli, o vencedor prateado de motonáutica que hoje é secretário de Turismo, Esportes e Meio Envolvente de Milei, foi vice-presidente de Néstor Kirchner; candidato à Presidência pelo peronismo; mensageiro no Brasil durante o governo Alberto Fernández-Cristina Kirchner. Agora é quase um mileísta.
Gervasoni faz uma diferenciação cautelosa entre o voto da centro-direita e o voto da ultradireita, o que coloca em xeque a teoria de que a transferência do espeque nas urnas seria imediata somente com a transmigração de políticos. Enquanto o Proposta Republicana tradicionalmente tem um voto de pessoas mais velhas e de classe média e média subida, o Liberdade Avança aglutinou o voto jovem e de todas as classes sociais.
Mas também esse conta parece ser levado em conta. Diego Valenzuela diz que o que diferencia Milei do Proposta Republicana é que “Javier é popular”. “É menos elitista, se assim podemos proferir. Dialogou tanto com um grande empresário que quer previsibilidade econômica, a macroeconomia ordenada, a liberdade para tomar decisões quanto com o entregador de delivery e os moradores dos bairros populares, que antes votavam mais na esquerda. É um liberalismo popular.”
Com base nisso, diz, somou-se ao companheiro na decisão de ser “sincero” e “respeitar o sufragista”. “Por ver que esse rumo funciona, que houve um ano de transformações econômicas e resultados. Milei tem uma legitimidade de origem, resultado do voto, e uma do treino do poder, fruto de um ano e dos resultados.”
Em poucos meses, ocorrerá o primeiro teste do presidente nas urnas depois tomar posse. Embora previsibilidade e política argentina não sejam coisas que costumam se misturar, todas as pesquisas preveem que o partido de Milei crescerá de tamanho, talvez duplicando-o, ainda que sozinho não consiga maioria e siga tendo de negociar com a centro-direita.
“A versão mas convencional é a de que as pessoas votam com o bolso: ou seja, se estão melhores ou piores economicamente no seu núcleo privado. É evidente que esse voto econômico também existe. Mas diria que há evidências de que muitos votam por uma vez que veem o país, a percepção da economia vernáculo, o chamado voto sociotrópico”, diz o professor da Torcuato Di Tella.
Nesse sentido, Milei teria muitos louros para ser recompensado. A inflação mensal diminuiu mais de 20 pontos percentuais e se estabilizou. A estação de déficits fiscais parece ter sido deixada para trás, e a pobreza, depois de atingir seu pico, caiu para níveis inferiores aos do governo peronista.
Nem por isso o governo deixou de fazer suas atabalhoadas, fruto do que acadêmicos uma vez que Gervasoni e políticos que falam sob anonimato chamam de um momento de hubris, uma arrogância exacerbada e potencializada pelo roupa de subsistir um presidente circunvalado por inexperientes políticos, uma vez que Karina.
A mais recente e maior foi o escândalo do criptogate, que, no entanto, resvalou pouco na popularidade. Nem o modus operandi da Morada Rosada, de governar por meio de decretos, marginalizando o Legislativo, teve impacto substantivo até cá.
Se grandes escândalos semelhantes não se impuserem para intensificar o cenário no país onde tango e política não são tão distintos assim, se vistos sob a ótica de sua dramaticidade, o enxugamento da centro-direita por Milei poderia lucrar ainda mais força.
Segundo Diego Valenzuela, há muitos em silêncio que em breve podem se levantar. “São muitos os que me dizem, sob suplente, em cafezinhos, que estão convencidos de que a mudança só se dará unindo o Proposta Republicana com o Liberdade Avança.”
Os Milei parecem não querer isso. E Mauricio Macri ainda mantém alguma intervalo segura das trapalhadas do governo. Resta saber se os que conversam com o prefeito de Tres de Febrero permanecerão onde estão ou seguirão o seu caminho e darão as boas-vindas ao mileísmo.