Dificilmente alguém perderá quantia apostando contra os brasileiros nesta terça (31) na São Silvestre. Tampouco ganhará quantia que valha o investimento. O Brasil não fatura a prova desde 2010 (masculino) e 2006 (feminino).
Porém, para quem não acompanha o evento colado na TV –a audiência não deve ser mesmo esmagadora às 7h30–, mas participando dele, a vitória de outro queniano ou de mais uma etíope importa lhufas.
Importa é completar a “maratona de 15 km” e iniciar muito o último dia do ano. Se é para estar em São Paulo nessa data, que seja logo au grand complet. Mas vamos ao que interessa mesmo: dentre os mais de 37 milénio corredores desta 99ª edição da SS, há três que merecem menção neste último No Corre de 2024.
Willian dos Santos, de 30 anos, Eduardo Martiniano Gonçalves, 36, e Fred Nelson Aquino Sanches, 26, fazem segmento do projeto Pão do Povo da Rua, do pesquisador e chef paulistano Ricardo Frugoli.
Diariamente o Pão oferece alimento, ou melhor, honra cevar, para pelo menos 1.200 moradores de rua do meio de São Paulo. Surgido na pandemia, o projeto provê ainda capacitação profissional em panificação e em algumas funções administrativas para algumas dezenas de pessoas.
O projeto, que enfrentou tantos percalços para seguir adiante, é inspirado explicitamente na Greyston Bakery, confeitaria nova-iorquina especializada em brownies. Como disse Frugoli para este colunista em março pretérito, o fundador da Greyston Bakery, Bernie Glassman, costumava expor que “não contratava pessoas para fazer brownies, mas fazia brownies para contratar pessoas”.
William, Eduardo e Fred são alguns dos contratados do Pão. Os dois primeiros correm profissionalmente, ou seja, têm a missão de simbolizar o projeto nesse mesada especialíssimo, o cascalho. Fred atua na atividade-fim, é confeiteiro.
Esta Folha já contou a história pungente do supervisor geral do Pão do Povo da Rua, o ex-paisagista Ricardo Mendes, 44, que, porquê os colegas corredores, passou bom tempo de sua vida nas ruas, foi usuário de crack e encontrou guarida e, pode-se expor, ressurreição, com a oportunidade dada por Frugoli.
Eu soube dos três corredores antes mesmo de saber o Pão, ao ver, num site, o tempo descomunal de Eduardo e William em uma prova de que também participei, o Troféu Cidade de São Paulo, disputado no natalício da capital, em 25 de janeiro pretérito.
Eduardo fechou os 10 km em 38min54, 59 segundos mais rápido do que William e anos-luz primeiro deste colunista, que celebrou ter corrido em pace sub 5 (aquém dos 5 min/km).
William foi usuário de crack por 14 anos, Eduardo, por quatro, e Fred morou dentro de um caixa eletrônico na terreiro da Sé. Eu não passei penúria.
Mais do que a corrida, que hoje mantém William e Eduardo comprometidos e focados, embora com um padrão de treinamento mais próximo do namorado, foi Frugoli quem lhes efetivamente estendeu a mão, segurando a barra e mantendo a sanidade mental quando tudo jogava contra: a falta de patrocínio, o desdém da sociedade, as reações não vasqueiro violentas dos próprios acolhidos, principalmente daqueles diagnosticados com esquizofrenia.
Se ainda portássemos carteiras, deveríamos caminhar com uma 3×4 de Frugoli e outras dos meninos do Pão dentro delas, à guisa de santinhos.
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